quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sabia que... III

Fontes:

"Seia - porta aberta para a Serra da Estrela..." - Héstia editores (2002)
"O Concelho de Seia em Tempo de Mudança", dos finais do século XIX ao desabar da 1ª República - Maria Lúcia Brito Moura (1997)

Entretanto, mais nomes de fábricas foram surgindo, o que, conforme foi já sublinhado, nem sempre corresponde ao aparecimento de novas empresas. Eram sociedades que se desfaziam, eram outras que tentavam lançar-se na industria tradicional, empregando capitais frequentemente acumulados no Brasil. Na primeira década do século surgiram a António Camello & Irmãos e a Martins & Camello em S. Romão, bem como a António Cabral e a Leitão & Irmãos em Loriga. As principais povoações ligadas à indústria continuam a ser Loriga, S. Romão e Alvoco da Serra. Contudo, em outras aldeias vão surgindo empresas de média dimensão. Vila Cova, no romper do século XX, tinha uma fábrica de lanifícios que pertencia a Joaquim da Silva Abranches. No inicio do século António Pereira, de Quintela, estabeleceu, junto ao Rio Ceia, no lugar de Pereiro, uma empresa do mesmo ramo. Em Junho de 1921, esta fábrica, pertencente então a Pereira & Genro, Sucessores - sociedade da qual faziam parte o Dr. Simões Pereira e seu sogro António Marques da Silva, foi destruída por violento incêndio.
A existência  de muitas empresas de pequena dimensão, onde decorriam, na maior parte dos casos, todas as operações de transformação da lã, não conduzia ao avanço técnico. Os inquiridores de 1881 aperceberam-se disto, denunciando a falta de instrução e de união entre os industriais que preferiam ter empresas sem viabilidade, quando poderiam associar esforços e capitais. Apontaram como exemplo Loriga, com sete fábricas, algumas com "vida enfezada", quando poderiam ter somente uma ou duas "que enriqueceriam aquela pequena vila". A Augusto Luiz Mendes & Sócios era uma exemplo de como era difícil constituir uma sociedade. Existia somente para a posse da fábrica mas não para a produção, pois os sócios serviam-se das máquinas às semanas, produzindo cada um para si separadamente. O trabalho das escolhedeiras, urdideiras e espinçadeiras, bem como a tinturaria, era feito em casa dos sócios. Este tipo de sociedade não se manteve por muito tempo. O Inquérito Industrial de 1890 já indicava a fábrica de Augusto Luiz Mendes, no sítio da Redondinha.
Um outro bloqueio ao desenvolvimento desta industria prendia-se com a falta de uma rede viária, o que aumentava os custos de transporte, quer de matérias primas quer de produtos acabados. Em 1910 um loriguense lamentava que "a mais importante povoação do concelho" não tivesse ainda uma estrada com ligação a Seia, pois que essa via, há muito projectada e iniciada há anos, estava longe de concluída, chegando a Valezim, a 9 Kms de distância. Assim, os custos de transporte entre a estação de caminho de ferro mais próxima - Nelas - e Loriga sofriam um considerável acréscimo, não contando com o tempo gasto e a necessidade de transbordo, efectuado em São Romão, dos carros para o dorso de animais que seguiam pelo caminho velho. Se isto era assim para os de Loriga, que dizer de Alvoco da Serra, outra aldeia com indústria, situada a cerca de 27 Kms da sede do concelho?
Contudo, a respeito de Loriga, apontada muitas vezes como "a mais importante povoação do concelho", alguns anos depois, o jovem advogado Avelino Cunhal, ao transmitir, em sessão realizada a 15 de Dezembro de 1918, as impressões colhidas numa visita que aí efectuou, confessava-se surpreendido com o movimento fabril e importância das transacções comerciais, isto apesar do isolamento em que viviam os loriguenses, ainda sem verem concluída a estrada, iniciada há muitos anos.
Se atendermos ao panorama geral da indústria nacional, talvez a da região não se encontrassem num estado muito lastimoso. Os prémios atribuídos a industriais do concelho no Segundo Congresso Beirão, parecem comprová-lo. António Alves da Rocha (Sucessores), de S. Romão e Augusto Luís Mendes & Cia, de Loriga, receberam medalhas de prata no fabrico de surrobecos; Viúva Domigos Mendes Martins & Filhos, de S. Romão, recebeu menção honrosa no domínio de lanifícios; menção honrosa, receberam igualmente António Alves da Rocha (Sucessores) relativamente a mantas e Leitão & Irmãos em surrobecos. A firma Viúva Domingos Mendes Martins recebeu um convite do governo para se fazer representar na exposição do Rio de Janeiro, a realizar pouco tempo depois.
O trabalho de transformação da lã não se limitava às fábricas. No concelho existiam ainda pequenas unidades ligadas aos têxteis e que teimosamente, continuavam a sobreviver. O Inquérito Industrial de 1890 dá-nos conta da existência de cinco pisoeiros e 101 tecelões, sendo 71 homens e trinta mulheres. Para lá destes artesãos ligados aos têxteis, havia no concelho, segundo a mesma fonte, 23 curtidores, 112 sapateiros, 2 tamanqueiros, 62 alfaiates, 11 ferradores, 6 funileiros, 34 pedreiros, 3 caldeireiros, 14 cesteiros, 72 moleiros e 18 trabalhadores de cerâmica.
Nada mau para um concelho de montanha e do interior. Por comparação com a situação que se verificava em 1878, há um relativo progresso:
      "Em 1878, o concelho produzia abundante centeio, azeite, frutas, excelente vinho, gado e caça (...) fazia importante comércio de lãs com as províncias do Norte de Portugal e Galiza; os industriais inscritos na matriz eram 1500 que gozavam de contribuições 2.250$647 réis, sendo 10 fabricantes de aguardente, 34 de azeite, 13 cardos, 6 fabricantes de curtumes, 13 fábricas de algodão, 22 pisões, 4 prensas de panos, 1 fábrica de sabão, 10 de telha, 22 tosadores de pano, 5 teares de tecidos de lã, 18 mercadores de algodão, 126 mercadores de lã em bruto, 6  de linho em rama, 54 de lã por miúdo, 54 de peles para curtir e 34 fabricantes de louça ordinária. O número de prédios inscritos na matriz era de 46.761, o rendimento colectável era de 95.798$761 réis e a contribuição predial de 5.440$26 réis" (Dicionário de Geografia universal, 1878)

4 comentários:

Miguel Pinheiro disse...

Algumas destas frases poderiam aparecer em voz-off no documentário...

Nuno Pinheiro disse...

Agradecemos a sugestão e a visita.
Continua acompanhar-nos...

BETINHA CORREIA disse...

Estou muito grata,por esta narrativa "histórica" das nossas terras.Nasci no meio de uma terrinha de lanificios,todavia desconhecia todo o historial anterior.Saber receber é uma mais valia.Continuem a divulgar estes e outros factos que vêm confirmar,o quanto valem as lindas terras que circunndam a Nossa Serra da Estrela.
O meu muito obrigada

Nuno Pinheiro disse...

Agradecemos a sua visita.
Continue acompanhar o nosso trabalho.

Já agora qual a sua terrinha natal?